sábado, 26 de junho de 2010

A carta.

Primeiramente, peço que tenha calma, calma é tudo que precisa para ler, e depois te peço o pior, o mais difícil, o mais doloroso e o mais libertador que é o seu perdão. Não te peço compreensão, te peço perdão. E sei que o que peço é penoso demais e gostaria de evitar a qualquer custo, mas não tivemos outra saída, não tivemos escolhas e assim aconteceu, assim me libertei.
Querida, eu realmente me cansei, todos esses anos lutando contra tudo e todos, sempre perdendo todas as batalhas, me desfazendo dos meus sonhos, meus pequenos prazeres, minhas amizades caras, meu trabalho intelectual, minhas noites fiéis e companheiras, meus porres de paixão e poesia, tudo se foi e eu fiquei só, eu fiquei completamente só e como dói ser só, mas assim como mandavam eu continuava, eu trabalhava, eu andava, eu almoçava, eu lia e respondia e-mails, não todos, só os que mais custavam a nós e nossa família, eu tentava ser um homem normal sem muitas vaidades, eu me policiava o tempo todo julgando minha conduta moral para ser a mais correta possível, pois quando um homem perde a razão o instinto toma conta, eu frequentava os melhores psiquiatras em busca de alguma recompensa, essas recompensas que as igrejas também prometem, que as mães prometem aos seus filhos e os amantes prometem um ao outro, mas nunca recebemos recompensa nenhuma meu bem.
Quando não havia no mundo tantos meios de comunicação, a internet era papo de bicho grilo futurista, eu podia escrever e ser lido, todo poeta era reconhecido, mesmo que fosse só no boteco onde se frequentava e éramos amados pela nossa arte. Ah isso foi no início dos anos 70, a arte era diferente, agente amava os livros, o cheiro deles, as páginas amareladas, um livro era objeto de muito respeito, mas hoje? O que é um livro hoje? O que é um velho reclamando a falta deles? Eu sou como os livros de páginas amareladas pelo tempo...eu amarelei meu bem.
Como disse antes não peço sua compreensão, só o seu perdão.
Perdão por nunca te dar uma recompensa.
De lá para cá, todas as coisas mudaram no mundo, só eu que não, tudo ficou mais uniformizado ainda, tudo virou digital, basta um dedo, um clique e lá se foi, eu tenho pena de todos que vieram depois, eu tenho pena dos nossos filhos, de suas angústias que eles não sabem de onde vem e eu sei, sei sozinho e calado, eu tenho mais pena ainda dos que virão depois que nem sei se angústias terão, talvez venham informatizados o suficiente para não sentirem mais nada...ah como sinto pena meu bem, sinto pena de você que não sabe nada disso, sinto pena de toda sua beleza não explorada e guardada pra mim...você não deveria meu bem se doar tanto assim.
Por isso, te escrevo essa carta para me despedir e agradecer tudo o que fez por mim, mas o mundo, meu bem, não me tratou tão bem quanto você...foram dias perdidos, trabalhos negados, dinheiro sempre escasso, meus porres proibidos, a saúde já debilitada, sexo então, nem pensar....acabou meu bem, os dias melhores ficaram para trás e lá talvez eu fui feliz.
Deixo para você meus poucos bens e espero que você não os trate tão bem assim, se preciso venda-os, gaste-os e viva por mim.
Deixo também meus pequenos pertences, o terno pode usar para me enterrar, o relógio pode leiloar ou entre os filhos sortear, nossa aliança você faça o que quiser, meus cigarros ofereça a quem puder e o resto são só restos.
Hoje esse tempo acabou para mim e não há motivos para tristezas nem vendavais, assim eu quis.
Perdoe-me meu bem, fique junto dos nossos....Adeus.

Mariana Lima de Almeida.
24/06/2010.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta"

Pablo Neruda

Eu te amo.

A vida segue e eu tento seguir junto
E é tudo tão fácil
E é tudo tão simples
A difícil sou eu
E está tudo tão claro
Que quase fico cega
Não amar você
É a pior imposição para continuar a viver
Viver sem nunca mais beijar você
Não é viver, é sofrer!
Não amar você
É suicidar-se sem morrer
É a pior imposição para continuar a viver
Mas eu quero viver!
Sim, eu quero amar você!
Preciso tocar-lhe o rosto
Preciso sentir-te os lábios
Preciso apertar-te as mãos
Preciso molhar meu ventre
Preciso gerar-te filhos
Para provar em carne e osso o meu amor por você
Preciso dos seus braços que me prendam
Mesmo se violentamente for
Preciso da sua boca
Que me fale, sugue, morda e coma
Os músculos exaltados, a pele quente e a carne tremula
Presa e encurralada aos beijos molhados seus
Sim, preciso da sua boca
Para dizer-me ao pé do ouvido
Palavras quentes e doces
E com braços fortes prender-me a cintura
Roçar a barba em minha nuca
Massagear meu colo
E fertilizar meu ventre
Fertilizar a terra
Com o mais puro gozo de amor
Enquanto afagas minha face com as mãos aflitas e quentes
Enrosca-se para sempre em meus cabelos negros
Passeie sua língua sobre meus lábios
E quando enfim abrir os olhos estarei lá,
Pronta para te fazer ninar e finalmente descansar em paz.
Eu te amo.

Mariana Lima de Almeida (22/06/2010)