Por tanto tempo estive afastada de mim, tinha medo de me aproximar e conhecer a verdadeira face de quem nunca enfrentei, de quem nunca aceitou resignadamente tudo aquilo que a vida impôs, de quem sempre foi contra os fatos, de quem não pôde gritar.
Por tanto tempo senti pena e até certo asco de mim por amar o impossível, o inacabado, o feio, o machucado, por amar o que não se pode amar. Afinal, Narciso acha belo o que é espelho.
Por tanto tempo não pude viver, pois só viveria aquilo que não pudesse ver e meus olhos esfomeados e raivosos viam tudo, viam demais, viam o que não se pode ver.
Por tanto tempo pratiquei um lento suicídio e nas diversas tentativas esperava no fundo ressuscitar-me. Era como que acreditar e testar milagres e que na hora H o milagre irromperia e me resgataria vitoriosa. Eram devaneios solitários, noites tão longas para dias tão curtos, o meu tempo era outro.
Assim o tempo passou entre palavras riscadas, palavras caladas, lamúrias literárias em vãos, nenhuma parede me ouvia nem se importava com minhas demências. O triste de ser demente é ter que fingir, fingimos o tempo todo, sem pausa e sem nunca, nenhum descanso.
Pensei na morte com profunda ternura, enfim, isso tudo haveria de findar-se, essa estupidez toda haveria de acabar e virar poeira no espaço, mas a morte não veio como mais um fracasso de meu caminho.
De poeira em poeira o caminho segue sorrateiro, de poeira em poeira teceu-se os sentimentos e pensamentos, de poeira e cruz, só a poesia restou.
(Mariana L. de Almeida)